
Parar de beber, mesmo que por pouco tempo, já traz benefícios ao organismo - e não apenas ao fígado
Com a recente preocupação sobre casos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas, muita gente tem aproveitado para repensar o próprio consumo de álcool. Seja por precaução, por saúde ou simples curiosidade, dar um "descanso" ao corpo pode gerar benefícios perceptíveis em poucos dias.
Especialistas explicam por que até períodos curtos de "abstinência" já fazem diferença no organismo.
"Quando uma pessoa interrompe a ingestão de bebidas alcoólicas, o fígado já inicia um processo de recuperação", explica Natália Trevizoli, hepatologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília. Em poucos dias, segundo a médica, há redução da inflamação e melhora do metabolismo de gorduras e açúcares. "As enzimas hepáticas, que costumam ficar elevadas, começam a cair, e o órgão passa a redirecionar sua energia para funções essenciais — como filtrar toxinas e produzir substâncias importantes para o equilíbrio do corpo".
O hepatologista Roberto de Carvalho, conselheiro científico do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), reforça a ideia: "É como se tirássemos um peso enorme dos ombros do fígado. Quando removemos o álcool, ele deixa de priorizar o processamento dessa toxina e pode voltar às suas funções essenciais".
"O fígado tem uma capacidade de regeneração extraordinária — até 25% do tecido pode se repor", complementou o profissional.
Os efeitos da pausa aparecem rápido. "Em dois a três dias, muitas pessoas já notam melhora do sono e da disposição", afirma Trevizoli. Em torno de poucas semanas, exames de sangue ainda costumam mostrar queda das enzimas hepáticas e melhora da função do fígado, explicam os especialistas.
"Nas primeiras 48 a 72 horas, já é possível perceber mais energia. Em duas a quatro semanas, há normalização de marcadores hepáticos e redução da inflamação", diz Roberto de Carvalho.
A recuperação também se reflete em todo o corpo. A hepatologista do Sírio-Libanês explica que o sistema cardiovascular se beneficia com a redução da pressão arterial e da frequência cardíaca, enquanto o metabolismo volta ao ritmo ideal. "Há queda nos níveis de triglicérides, glicose e gordura corporal. O sistema imunológico se equilibra e o humor melhora. O corpo inteiro se reorganiza quando o álcool deixa de ser uma sobrecarga diária".
O impacto também é notável no peso. "O álcool é uma fonte significativa de calorias — cada grama fornece cerca de 7 calorias, quase o dobro do açúcar [que possui 4 kcal por grama]", destaca Trevizoli. Por isso, cortar o consumo costuma resultar em emagrecimento, especialmente quando acompanhado de uma alimentação balanceada.
A adoção de um estilo de vida saudável também é fundamental. A psiquiatra Olivia Pozzolo, também do CISA, defende "a prática de atividades físicas, uma dieta equilibrada, hidratar-se ao longo do dia e o cuidado com as nossas relações pessoais", a fim de potencializar os efeitos positivos de ficar sem beber.
Segundo os especialistas, a regeneração total depende do grau de dano hepático. "Em casos leves de inflamação ou acúmulo de gordura, a recuperação pode ser quase completa em semanas ou meses", diz Trevizoli.
Roberto de Carvalho ainda explica que "quem para ainda na fase de esteatose hepática — o chamado fígado gorduroso — pode ver reversão completa entre dois e seis meses de abstinência. Mesmo em casos de hepatite alcoólica leve, a melhora pode ocorrer em seis a doze meses".
O cenário muda se o paciente apresenta cirrose, doença crônica do fígado. "As cicatrizes formadas são permanentes", explica o médico. "Nesses casos, a abstinência é fundamental para impedir a piora, mas o dano crônico não desaparece completamente".
"Para quem não tem doença hepática, quatro semanas já bastam para perceber efeitos concretos — tanto em exames quanto na sensação de bem-estar", afirma Trevizoli. "Três meses potencializam os resultados".
Já para quem busca um "reset" básico, um mês de abstinência traz benefícios bastante substanciais. Segundo aponta Roberto de Carvalho, estudos mostram que em apenas 30 dias é possível reduzir de 15% a 20% da gordura hepática, com melhora considerável da qualidade de vida.
Pozzolo acrescenta que o autocuidado emocional também conta: "Manter uma rede de apoio, planejar situações sociais e ter alternativas não alcoólicas disponíveis faz diferença para sustentar a decisão".